Padre Hermes José Novakoski, psdp
Precisamos mergulhar na Espiritualidade Calabriana para
manter viva nossa vocação, identidade e missão. Aprofundar-se constantemente
para não ficarmos longe do ideal proposto. Eis um grande desafio.
Nós temos um panorama geral, mas não genérico, que a Igreja oferece
sobre o ser consagrado. O Pobre Servo vive uma faceta do Evangelho que Deus
inspirou a São João Calábria. Assim, cada Instituto Religioso tem, na Igreja,
uma identidade própria, dentro do panorama maior que é o Evangelho.
Abordaremos três elementos que ajudam na nossa consagração,
e que se entrelaçam e se complementam. Um tripé que dá alicerce para bem viver
a essência do ser religioso consagrado.
VOCAÇÃO
Toda vocação nasce no coração de Deus. Podemos dizer que é o
caminho de felicidade que o Pai pensou para cada um dos seus filhos e filhas.
Todos recebemos de Deus uma vocação.
A vocação encontra sua realização plena na doação da nossa
vida em nome de Deus. Ninguém, que encontra sua verdadeira vocação, vive para
si mesmo. Vemos isso em Maria, nos Apóstolos, nos santos e santas e sobretudo,
em Jesus.
Vivendo a vocação recebida de Deus com total amor e doação, trilharemos
o caminho de santidade. São João Calábria levava isso muito a sério. Ele disse
inclusive que a nossa salvação depende de como vivemos nossa vocação.
Acompanhemos suas palavras: “Se nós não vivermos segundo a nossa especial
vocação, decretaremos a morte das nossas almas e a desta Obra. Meu Deus, que grande
responsabilidade!” (19 de março de 1933).
Nosso santo fundador chama-nos a atenção inúmeras vezes sobre
o compromisso que assumimos perante Deus. Chama a ‘Vocação’ e o ‘pertencer a
Obra’ como vocação especial. Aqui ele não está menosprezando as outras vocações
ou carismas, mas está chamando a atenção para aqueles que Deus chamou a fazer parte
desta Congregação. Toda vocação é especial porque nasce no coração de Deus.
Toda vocação é única e irrepetível, pois cada um responde de modo pessoal e incopiável
o chamado que o Senhor faz.
A cada tempo da história, no hoje,
Deus suscita vocações para que manifestem seu amor, misericórdia e ternura. Viver
bem, viver a altura da vocação, nas palavras de São João Calábria, é viver
conforme a vontade Daquele que nos chamou: “Caríssimos, pelo amor de Deus, pelo
amor das almas de vocês, pelo sangue de Jesus bendito, façam de tudo para viver
à altura da sua vocação: vocação toda própria e particular dos tempos
presentes, tempos calamitosos, tempos tristes, mas também tempos de grande
misericórdia da parte de Jesus bendito, que suscitou vocês, ó meus queridos, e
vocês são os instrumentos para sanar, consolar, reconduzir ao reto caminho
muitas almas. Vocês, meus queridos, se viverem bem, segundo a sua santa vocação,
não deverão invejar ninguém, nem mesmo os que foram, são e serão grandes diante
do mundo, os reis, os personagens desta terra, pois vocês são diretamente de
Deus e de uma forma toda especial” (18 de abril de 1920).
O mundo nos oferece muitas possibilidades. Às vezes, podemos
ficar fascinados pelas coisas que nos são oferecidas, esquecendo-nos da nossa
vocação que é santa e que dessa forma deve ser vivida. Nosso foco deve ser
Deus, o céu, os bens espirituais. “E que vocação é a nossa, caríssimos irmãos!
Enquanto o mundo todo se agita para ir atrás das coisas da terra, nós devemos
aspirar só ao céu, à santidade” (24 de abril de 1938). Buscando as coisas do
céu porque é para lá que estamos caminhando. Assim, testemunhamos ao mundo que
tudo o que ele nos oferece é efêmero e passageiro. Só as coisas do alto
permanecem. É por isso que Jesus nos ensina: “Não junteis tesouros aqui na
terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e os ladrões assaltam e roubam. Ao
contrário, juntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça e a ferrugem
destroem, nem os ladrões assaltam e roubam. Porque, onde está o teu tesouro, aí
estará também o teu coração” (Mt 6,19-21). Enquanto muitos correm preocupados com
os tesouros para este mundo, nós devemos mostrar o contrário.
Vivendo de acordo com a nossa vocação, o Senhor continuará
nos usando como seus instrumentos e canais. Fará grandes coisas se formos
instrumentos dóceis e humildes em suas mãos. Belíssimas são as palavras do pai:
“Se agirmos com o espírito da nossa vocação nos tornaremos dignos de que o
Senhor nos use para realizar os grandes divinos desígnios que Ele estabeleceu
realizar através dos Pobres Servos. E a nossa Obra se tornará realmente uma
arca de salvação que atravessa ileso e firme as tempestades que ameaçam o mundo
pecador, conservando em seu seio os germes de uma salutar renovação da vida
cristã” (7 de agosto de 1939).
Neste último trecho, São João Calábria traz um dos elementos
muito significativos: “nossa Obra se tornará realmente uma arca de salvação”.
Muitas almas chegarão ao céu se nós vivermos bem a nossa vocação, pois nos
olharão e serão motivadas a prática do amor, da verdade e da justiça. Por outro
lado, ai de nós se escandalizarmos alguém. Por isso, esta Obra não pode jamais
se esquecer de falar do amor de Deus a todas as pessoas.
Não podemos nos envergonhar da nossa vocação, e nem a usarmos
de conveniência. As vezes queremos que o nosso ser religioso fique visível somente
em determinadas circunstâncias. Essa é uma forma medíocre de vivermos a nossa
vocação, tão querida e especial por Deus. Ele nos chama a ser religiosos em
todas as ocasiões. “Queridos irmãos, estejam sempre à altura da sua vocação.
Em todo lugar onde trabalharem, apresentem-se assim como vocês se chamam:
Pobres Servos da Divina Providência” (Outubro de 1939).
O Senhor, na sua infinita Misericórdia, nos dá todas as
graças necessárias para vivermos bem a nossa vocação. Depende de nós, querer ou
não. Temos na Igreja e na Congregação todos os meios seguros para nossa
santificação. Não precisamos buscar nada a mais e nem inventar coisas. A
Palavra de Deus, a Igreja, as Constituições (Regras), as práticas de piedade
são garantias para nós: “Quando vejo um religioso que observa as suas
Regras, que é fiel às suas práticas de piedade, que, numa palavra, corresponde
à sua vocação, sinto-me reviver” (22 de agosto de 1941). Quanta alegria
sente Deus quando nós correspondemos a nossa vocação. Apesar de sermos nós os
maiores beneficiados. São João Calábria segue nos indicando alguns meios que
não podem ser negligenciados: “E se vocês quiserem alimentar em vocês mesmos
a vida interior, recomendo-lhes as práticas de piedade: a santa Meditação e a
leitura espiritual, a santa Missa e a Comunhão, etc. Recomendo-lhes a
pontualidade; sejam exatos, fidelíssimos. Sem tudo isso, faltará óleo em nossa
lâmpada; e pobres de nós se na Casa do Senhor formos lâmpadas apagadas! Para
que serviríamos senão para sermos removidos? A perda da vocação: meu Deus, que
desventura para um religioso e particularmente para um Pobre Servo!” (Ibidem).
Quero fechar com essa conhecida frase de 1935: “Oh, meus
queridos e amados irmãos, procurem dar valor e amar muito a sua vocação”. Quem
ama, cuida. Cuidemos desse tesouro que o Senhor nos deu. No céu compreenderemos
a grandeza da nossa vocação.
Poderíamos continuar citando muitos outros trechos. Fica o
convite para lermos as Cartas que São João Calábria nos deixou. Um grande
tesouro e testamento que nos ajuda a viver melhor nossa vocação e a buscar,
como ele buscou e desejou que todos buscassem, a santidade.
IDENTIDADE
Outro elemento muito importante é a nossa identidade. Quem é
o vocacionado, o consagrado? Perdemos nossa identidade quando fazemos a
Profissão Religiosa?
Ao falar da identidade refiro-me a identificação com a
pessoa de Jesus Cristo, o Filho perfeito do Pai. Ser consagrado é ser outro
Cristo. São João Calábria e muitos santos falaram dessa realidade e viveram
dessa forma. Deus Pai enviou o seu Filho Jesus porque só Ele é o caminho, a
verdade e a vida e ninguém vai ao Pai, ao céu, senão por Ele, n’Ele e com Ele (cf
Jo 14,6).
O consagrado deve ser um homem que não somente segue o
Mestre, mas imita-o. Configura toda a sua vida com a vida do Mestre. Jesus diz
que devemos amar como Ele amou. Esse é o caminho: “Amai-vos uns aos outros,
assim como eu vos amei” (Jo 15,12). Não precisamos buscar “gurus” na vida da
Igreja e muito menos fora. Jesus é o único que deve ser imitado em tudo. Depois
de lavar os pés dos discípulos, Jesus disse: “Dei-vos o exemplo, para que
façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15). É assim que devemos viver a nossa
vocação, fazendo o que o Mestre fez. Imitando Ele, estaremos no caminho seguro.
O consagrado encontra a razão da sua vida, existência e
missão em Jesus Cristo. Devemos ser como Jesus. Imitar o Mestre é um trabalho
de configuração para toda a vida. As vezes podemos desanimar porque nos
sentimos tão distantes do ideal. Mas não podemos desanimar. Precisamos retomar
o caminho todos os dias. Começar de novo sempre. Caminhar olhando para a Cruz, aliás,
abraçando a Cruz, pois é nela que aprendemos a doação, o amor, a entrega. E a
não desistir.
Quando professamos os Votos Trienais (Perpétuos) está previsto
um gesto muito significativo. O candidato se ajoelha ou se prosta diante do
altar, enquanto é entoada a Ladainha de todos os Santos. O céu inteiro reza por
este que deseja imitar Cristo na sua vida. Gostaria de chamar a atenção para
este momento tão significativo.
Ao prostrar-nos diante do altar, ou seja, diante de Cristo,
morremos para nós mesmos. Não é um simples gesto ritual. Neste momento a pessoa
deve morrer e sepultar em Cristo tudo o que é para levantar, despertar uma
criatura nova, como Ele na Páscoa. Aí morre o nosso eu, ou seja, a nossa
vontade e o nosso querer. Agora preciso fazer o que Jesus fez e me pede. Com
isso não diminuímos, mas somos integrados no Corpo Místico de Cristo, em seu
próprio ser. Isso é muito grande e belo. Precisamos lembrar sempre deste gesto.
Quantos interpretam erroneamente a Profissão Trienal. As
vezes se chega a escutar absurdos como este: “Agora sou livre para fazer o que
quero!” Não! Quem pensa assim, não entendeu nada e brinca com Deus. A partir de
agora não podemos mais fazer o que queremos, porque nossa vontade precisa desaparecer
na vontade de Cristo. Com a Profissão Trienal renunciamos a nós mesmos, aos
nossos gostos, vontades, quereres. Agora, assim como Jesus Cristo, precisamos
estar dispostos a dar a vida pelo Reino. Precisamos acolher unicamente a
vontade do Pai que se dá através de nossos superiores. O EU, MORREU. Renasce o
novo homem em Cristo. Assim como Jesus ressurgiu dos mortos, nós ressurgimos, Nele,
pessoas novas. Neste momento sepultamos nossa vontade, nosso querer, acolhendo
o que Jesus quer de nós, porque não nos consagramos para nós mesmos, mas para o
Senhor e assim devemos viver, somente PARA O SENHOR.
Quão significativo é esse momento, e corremos o risco de deixá-lo
no esquecimento ou como um ato daquele dia. É triste e desagrada profundamente
o Senhor ver religiosos brigando por cargo ou encargo, desrespeitando e
desobedecendo aos seus superiores. Um religioso desobediente, teimoso,
orgulhoso fere sua vocação e o coração de Deus. Acaba esquecendo o verdadeiro
sentido da sua vocação. Com a consagração não somos mais senhores de nós
mesmos. Somos escravos nas mãos do Senhor. E o escravo não tem vontade própria,
faz tudo aquilo que seu Senhor pede. Assim deve ser o consagrado.
Jesus, nas aparições a Santa Faustina pediu muitas coisas.
Mas sempre dizia: “Peça a tua superiora. Se ela autorizar, faça. Se ela não
autorizar, estás dispensada”. A missão que os superiores recebem, vem de Deus.
O Papa, os bispos, o Casante, o Delegado estão imbuídos do poder que o próprio
Senhor os confia. Desobedecer a eles é desobedecer a Deus. Obedecer a eles, é
obedecer a Deus e isso lhe agrada.
No Diário de Santa Faustina encontramos várias citações
sobre a obediência e a desobediência. Considero oportuno trazer algumas delas:
“Certa ocasião Jesus me disse: A alma desobediente se expõe a grandes
desgraças; não progredirá na perfeição, nem na vida espiritual. Deus cumula
generosamente a alma de graças, mas somente se ela for obediente” (113);
“Compreendi que os esforços, ainda que sejam os maiores, se não tiverem o selo
da obediência, não são agradáveis a Deus” (354); “Mergulhei na oração e
rezei a penitência; então, de repente vi o Senhor, que me disse: ‘Minha filha,
fica sabendo que Me dás maior glória por um ato de obediência do que por longas
orações e mortificações’. Oh, como é bom viver sob a obediência, viver com a
consciência de que tudo o que faço é agradável a Deus!” (894); “O
demônio pode ocultar-se até sob o manto da humildade, mas não sabe vestir o
manto da obediência” (939).
Aprendemos a obediência com o próprio Senhor. Ele mesmo
reza: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a
minha vontade, mas a tua" (Lc 22,42). No Pai Nosso rezamos “seja
feita a vossa vontade”. Por isso, fazer a vontade de Deus é dever de todo
batizado.
A identidade do consagrado está em Cristo. Ser outro Cristo,
fazer o que Ele fez. É difícil morrer para nossas vontades e desejos, ainda
mais no tempo de hoje em que se promove a todo custo o culto a subjetividade. A
obediência é o caminho que nos configura a Cristo e é para isso que nos
consagramos. Não somos mais donos de nós mesmos. O Senhor deve ter a total
liberdade de nos usar como Ele quer. Nas palavras de São João Calábria: “Procuremos
ser como trapos, como argila, como barro, sem cabeça” (02 de fevereiro de 1929).
Quem acolhe isso e vive assim, é feliz, porque sabe que está cumprindo sua
vocação. Está se configurando a Cristo, Servo obediente do Pai.
MISSÃO
A Congregação Pobres Servos da Divina Providência tem uma
missão geral e uma missão específica, assim definidas pelas nossas
Constituições e aprovadas pela Igreja. Todos nós consagrados temos o dever de
cumprir com essa missão. Não precisamos criar nada. Já temos o caminho seguro
para nossa santificação, sendo servos obedientes e humildes que acolhem e
vivem, cooperam onde o Senhor envia.
Vamos as Constituições:
“A nossa missão geral consiste em promover a glória de
Deus, tendendo de coração unânime e com ajuda fraterna e recíproca, à própria
santificação, na prática das virtudes cristãs e dos conselhos evangélicos de
castidade, pobreza e obediência” (4).
“A missão específica dos Pobres Servos é a busca do Reino
de Deus que se concretiza para nós no compromisso de avivar no mundo a fé e
confiança em Deus, Pai de todos os homens, através do abandono total na sua
Divina Providência, intensamente vivido e claramente testemunhado em todos os
acontecimentos pessoais e comunitários e nos eventos históricos do mundo” (5).
Para que existimos? Para que Deus Pai quis a nossa
Congregação? Para promover a sua glória. Facilmente nos esquecemos disso. Tudo
o que somos, o que fazemos deve manifestar que somos filhos de Deus Pai. Ele
nos usa como instrumentos em suas mãos. Atrelado a esse primeiro elemento, temos
o segundo que nos indica como faremos isso, ou seja, na ajuda recíproca, buscando
a própria santificação que passa pela prática das virtudes e dos conselhos evangélicos.
Primeiramente mútua ajuda para não nos esquecermos daquilo que é o essencial.
São João Calábria assim escreve em 1938: “Queridos
irmãos, pelo amor de Deus, vamos colocar todo o empenho possível:
santifiquemo-nos para santificar, e nos santificaremos com a plena observância
das nossas santas Regras, que de joelhos recomendo”. As Constituições não
são textos defasados ou belamente escritos para ficarem impressos. São Caminho
seguro de santificação reconhecido pela Santa Igreja.
Nossa salvação está condicionada a busca pessoal da
santidade, assim escrevia em 1944: “Santifiquemo-nos a nós mesmos no
espírito da santa vocação; assim teremos a certeza da salvação da nossa alma e
nos tornaremos dignos de cooperar para a salvação dos nossos irmãos”. A
santificação é um modelar-se ao Filho de Deus: “santifiquemo-nos primeiro a
nós, modelando a nossa vida sobre a de nosso Senhor Jesus Cristo, sobre a vida
dos Apóstolos e dos primeiros cristãos”. Não podemos exigir dos outros
aquilo que não podemos dar. A santidade deve começar por cada um de nós. Assim
ajudaremos os outros, a comunidade, a missão onde atuamos: “Santifiquemo-nos
a nós mesmos primeiro, para depois santificar as almas, todas as almas”. Continua:
“É preciso que nos santifiquemos e, santificando a nós mesmos,
santificaremos a nossa Congregação, as almas que a divina Providência aproxima
de nós!” Não podemos nos envergonhar de falar da santidade. Ao contrário,
deveríamos falar sempre entre nós, com nossos colaboradores e assistidos.
Na compreensão de São João Calábria, a santidade é a alma da
Obra: “Se não nos santificarmos, a Obra será um corpo sem alma” (1939).
Se queremos colaborar nesta Obra, devemos ter como meta a santidade, do
contrário, seremos empecilho para a ação de Deus: “Se não nos santificarmos,
não faremos nada, estragaremos a Obra” (1946).
O número cinco das Constituições traz a missão específica
confiada a nós Pobres Servos. O primeiro elemento que aparece é a “busca do
Reino de Deus”. Esse pensamento foi tirado do Evangelho de São Mateus: “Buscai
em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos
serão dadas por acréscimo” (6,33).
São João Calábria foi profundamente tocado por estas
palavras. É o próprio Senhor que nos dá essa garantia. Se buscarmos construir
seu Reino, Ele nos dará tudo. Estas palavras inspiram e fundamentam nosso
Carisma: Confiança em Deus Pai Providente. É nesta certeza que devemos
viver. É esta confiança que precisamos ter e promover nas pessoas. A busca do
Reino passa primeiramente pela conformação da nossa vida com a vontade, o
projeto, o sonho de Deus para cada um dos seus filhos e filhas. Não podemos
pensar de forma materialista, onde receberemos os bens temporais e materiais se
buscarmos o Reino de Deus. Buscar o Reino é primeiramente adentrar nele, porque
ele foi inaugurado pelo próprio Cristo.
Adentrar nele é viver os valores deste Reino, como rezamos
no Prefácio da Solenidade de Cristo Rei: “reino da verdade e da vida,
reino da santidade e da graça, reino de justiça, do amor
e da paz”. Aqui aparecem os elementos constitutivos do projeto de Deus
para todos os seus filhos e filhas. Não coisas materiais, passageiras, mas
elementos que nos fazem recordar que somos filhos amados por Deus e que Ele
quer a nossa salvação, ou seja, que estejamos com Ele para sempre.
É claro que quando falamos de justiça precisamos lembrar de
tantos injustiçados que sofrem as consequências de um mundo governado e
habitado por pessoas que facilmente se esquecem de Deus. Os sofredores são os
que mais se identificam com Cristo, Servo sofredor. Junto com o conforto do
corpo, precisamos oferecer o conforto para a alma. O corpo de todos ruirá um
dia e a alma deve ser preparada para o encontro definitivo com Deus. Muitos
pobres e sofredores chegam até as nossas portas esperando o pão e desejando a
salvação. Quem falará ou manifestará o amor de Deus se nós não o fizermos?
Muitos fazem inspirados pelo próprio Senhor. Mas nós deveríamos ser os
especialistas, ou seja, os que melhor falam, sobretudo por gestos, do amor
misericordioso de Deus.
Nossas Constituições nos dizem ainda que temos o “compromisso
de avivar no mundo a fé e confiança em Deus” (5). Antes de avivar a fé nos
outros, precisamos que a nossa esteja fortalecida. Se assim não for, facilmente
sentiremos o cansaço e o desânimo. Quando fazemos caridade pensando no reconhecimento
e aplauso, estamos nos desvirtuando do caminho proposto pelo Senhor. Por isso
Jesus nos alerta: “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permaneceu em
mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer”
(Jo 15,5). Quando estamos unidos a Cristo reconhecemos que somos instrumentos e
não autores do bem. São João Calábria inclusive recordava que a Obra, que é de
Deus, “não precisa de ninguém, aliás, precisa de quem, com fé, com amor, se
abandona em Deus e na sua divina Providência” (1950).
São João Calábria, como já citamos acima, nos pedia com
insistência que não abandonássemos as práticas de piedade e sobretudo a Santa
Missa, Adoração, Meditação. Em um mundo com tantas agitações, facilmente
podemos nos perder e nos esvaziar. Em 1943 escrevia: “Deixem tudo, mas não
deixem as práticas de piedade; isso seria a ruína de vocês e a dos outros”.
E ainda: “Quem não reza, o Senhor o deixa entregue a si mesmo e nós, sem a
ajuda de Deus, tomaremos sem dúvida o caminho da perdição. Ação, sem oração, é
uma profanação” (Retornemos ao Evangelho, 30).
Precisamos ajudar os necessitados, mas também olhar porque
eles chegaram a essa situação deplorável. As injustiças precisam ser
denunciadas e suprimidas. Não podemos compactuar com sistemas de opressão que
continuam deixando muitos filhos na margem. Seremos profetas se estivermos em
profunda sintonia com o Senhor.
CONCLUSÃO
A vocação é nobre porque nasceu no coração de Deus; a nossa
identidade exige uma configuração contínua com a pessoa de Jesus Cristo. Só
assim conseguiremos exercer bem a belíssima, grande e sempre atual missão que o
Senhor confia a Obra e a nós, seus servos.
O fato de pertencermos a Família Calabriana, como
consagrados, não nos torna melhores que os outros. Somos, certamente, os mais
necessitados da Misericórdia do Senhor. E se Ele nos chamou a fazer parte desta
Obra, é porque Ele quer nos salvar por este caminho. Quanta responsabilidade
recai sobre nós. São João Calábria escreveu em 1941: “Ou nos renovamos, ou
pereceremos!” Podemos dizer hoje, santifiquemo-nos ou pereceremos.
Louvemos ao Senhor que inspirou, sustenta e conduz esta Obra
e a cada um de nós. O Pobre Servo, homem de fé, obediente ao Senhor, vivendo a
santidade, estende a mão a todos sabendo que cada rosto é uma alma para ser
salva.